24 julho 2008

Flash mob


Pensei que a coisa ia ser pirosa à brava e como prezo minimamente a minha dignidade, queria preservar-me de fazer figuras tristes, gratuitas e acéfalas.
Fiquei a ganhar e a perder.
A ganhar porque tive uma oportunidade rara e privilegiada de assistir a uma escultura feita de gente, do mais variado tipo de gente – do operário de fato macaco cheio de tinta, à tia de brincos feitos de argolas douradas e saltos altos -, a um ballet urbano inteligente, a uma aula de filosofia corpórea sobre como é possível viver numa sociedade urbana contemporânea desalienadamente... Eram muitas dezenas de pessoas que guiadas pelo som de uma voz que só elas ouviam, uma verdadeira comunidade sonora, exclusiva, fechada, quase secreta, não fosse ela veiculada pela rádio. Essas pessoas usavam os seus corpos como ferramenta expressiva para ilustrarem com a própria carne o que ouviam. Em sintonia descontraidamente precisa, andavam, corriam, saltavam, dançavam sozinhos ou com desconhecidos, fechavam os olhos, deitavam-se, sentiam a textura das pedras e a cor das calçadas, comiam cravos de uma revolução contemporânea, como se de uma representação autofágica da própria história se tratasse, como se precisassem de alimentar fisicamente a alma da memória de um Abril materializado na irreverência presente.
Fiquei a perder porque também eu queria ter tido o privilégio de fazer parte desse teatro-dança-escultura que surpreendeu a modorrice encalorada de uma Lisboa morna mesmo em pleno Verão. Mais uma vez se confirma o aforismo de que é preferível arrependermo-nos sempre daquilo que fizemos do que daquilo que nos abstivemos de fazer.