18 junho 2010
Objecto Quase
Nunca antes tinha chorado a morte de alguém que não conheci. O que é estranho porque sempre me pareceu bizarro o comportamento das pessoas nestas situações (tipo o funeral da Amália).
Sinto-me profundamente de luto, não tanto por uma pessoa mas pela amargura de saber que as suas palavras acabaram, ponto final, fim. Não há mais.
De luto por um país que não o merece.
De luto por ter um Presidente cujo governo o censurou mas que – em tempo de campanha – deverá comparecer, pesaroso e condolente, nas cerimónias fúnebres que não serão na Jangada de Pedra mas na capital de um país improvável.
De luto por na televisão se vomitarem chorrilhos de disparates: de correcções gramaticais a salazaristas que o confessam com a mesma leviandade com que afirmam nunca terem lido uma única linha, passando por VIPs culturais que, ao telefone, devem estar a engolir todos os sapos, por a inveja não lhes ter deixado nem mais unha para roer.
De luto pelo salsero cubano que na rua, enquanto me convidava para uma aulita gingada, ao saber de onde vinha não exclamou “Luís Figo!”, nem “CR7!” mas SARAMAGO!!!
De luto por o avô de alguém que está sempre a sorrir… e hoje não está, não pode estar. E pelo meu também: tinha muito poucos livros, mas herdei um orgulhoso “Levantado do chão” que fazia questão de exibir na prateleira desempoeirada, ao lado da bola da felicidade.
De luto, acima de tudo por mim, por querer sempre mais mas “pedir não devo, dar não tenho”, por não ser politicamente convicta nem saber dançar com as palavras no baile de uma ideia boa. Pelo nunca mais de todos os dias…
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